segunda-feira, 23 de março de 2015

O princípio da rebeldia

Já disse aqui que eu sou a caçula da família. 

Ser a caçula tem seus prós e contras. E um dos contras mais fortes é a educação super-protetora que recebi de meu pai. Ele me amava muito, eu sabia disso muito bem, mas sua forma de demonstrar esse amor era sufocante. 
O seu amor era envolto ao medo de me ver sofrer ou morrer. Hoje entendo isso tudo melhor, ele perdeu sua mãe e seu irmão mais novo precocemente e de forma trágica, desenvolvendo em seu coração um pavor a respeito de perdas. Porém seu cuidado exagerado me trazia desespero. 

Eu não podia ir à casa de meus amigos, não podia dormir fora de casa, não podia colocar a tomada no interruptor, não podia acender o fogão ou aprender a cozinhar, não podia sair a noite com ninguém, não podia ir à festas. Nunca havia uma explicação, nunca havia uma conversa, era apenas "não, não pode".

Hoje tenho um filho de 8 anos e o que mais faço com ele é dar explicações pra tudo. Sei que exagero, que há momentos em que o "não" não precisa vir com explicações, mas simplesmente não consigo deixar de fazê-lo. Sei o porque disso. 

Aos 15 anos percebi que as anfetaminas haviam me dominado de uma tal forma que já não conseguia ficar sem elas. Obviamente, meu discurso era sobre os efeitos mágicos que obtinha através do conteúdo daquelas cápsulas bicolores. Mesmo percebendo que tais efeitos eram passageiros e que no final o resultado seria danoso, eu não conseguia me livrar delas.

Uma dependência pelas anfetaminas se instalava em meu corpo e eu ainda acreditava que podia dar conta do recado.


Aos 16 anos estudava em uma escola de princípios mais livres, onde o aluno não precisava comparecer às aulas se já tivesse respondido à chamada. O período era integral, eu ia de manhãzinha e só voltava para casa ao final da tarde, isto é, tinha 10 horas para serem gastas naquele lugar. Como sempre fui muito boa aluna, aliás, sempre fui a melhor aluna da classe, aos 17 anos acreditei que era tempo de eu relaxar e curtir um pouco mais a minha vida, experimentar coisas novas. Pensava que, se eu não assistisse às aulas mas depois pegasse as anotações dos colegas ou as páginas dos livros, conseguiria aprender. Afinal, sempre fui autodidata pra tantas coisas!


Foi então que comecei a dar alguns passos conscientes rumo ao abismo.


Faltava à maioria das aulas, passava horas conversando, rindo, cantando, vendo o pessoal jogar cartas, indo às repúblicas que ficavam ao redor da escola, ouvindo música, falando de música.


Com a música vieram os novos sons, as novas manias, os novos costumes, novas roupas, novos conceitos. E de repente, beber uma cerveja de vez em quando não me parecia tão errado. Mesmo enquanto eu tomava as minhas anfetaminas.

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