sexta-feira, 27 de março de 2015

O duro golpe

O fato de eu ter sido curada da dependência não significava que eu também houvesse sido curada das consequências do uso indiscriminado de anfetaminas. Recebi um presente indescritível de Deus, mas como todo prego tirado da parede, as marcas ficaram.

A guerreira que sempre fez parte de mim respirou fundo. Levantou-se e decidiu-se por começar um novo tempo, um novo caminho. Seguiu em frente sem olhar para trás.

A partir daquele momento tudo mudou. Deixei de ir aos lugares que frequentava antes do processo de desintoxicação. Já não fazia mais sentido continuar a viver uma vida que me trouxe tantos estragos. Não foram os meus amigos, os shows, o rock ou os meus costumes que me levaram para onde fui, mas todo o contexto contribuiu grandemente para que eu me perdesse no meio do caminho. Naquele momento já não me era possível separar as coisas. A minha vida louca de saídas e rock´n´roll estava intimamente entrelaçada com os meus maus costumes, com o álcool, com as anfetaminas.  Eu jamais conseguiria fazer uma coisa sem viver a outra.

Meu lado espiritual também mudou. Voltei a ter um relacionamento com o Eterno e busquei nele as forças necessárias para atravessar aquele momento de adaptação a uma nova vida.

Passei a ouvir outros estilos musicais, pois qualquer menção de música rock me trazia memórias auditivas que me faziam extremamente mal. Sentia muita falta de tudo e de todos, da adrenalina da vida noturna, das frases sem sentido e das risadas sem motivo. Justamente agora que eu havia resolvido mudar de vida, toda a tristeza e decepção pareciam ter desaparecido, restando apenas as boas lembranças das amizades e das farras. Era como se o meu subconsciente me impelisse ao auto-sabotamento novamente.

Me mantive firme. Estava caminhando bem. Foi quando o meu namorado da época desistiu do namoro. Ele não queria viver a mudança de vida comigo e não seríamos capazes de manter um relacionamento trilhando caminhos tão diferentes. Na verdade quem teve que fazer essa escolha fui eu, pois ele me disse que se eu conseguisse me manter sóbria e limpa em nosso "antigo mundo", sem me relacionar com o Eterno de maneira tão intensa, ele continuaria comigo. Mas aquele era uma realidade inexistente, uma alternativa nula.


Quando ele foi embora, meu mundo desabou. A reserva de forças que eu havia guardado cuidadosamente em meu coração se espalhou feito vento. O medo, o desespero, a agonia, a profunda tristeza voltaram com toda a fúria. Eu o amava mais do que tudo, planejávamos nos casar em pouco tempo, havíamos vivido juntos as melhores e piores experiências. Não conseguia nem sequer fazer menção de uma vida sem ele. A depressão voltou mais forte do que nunca, mas com uma ressalva. Desta vez eu não tinha onde me refugiar, nem nas anfetaminas e nem no álcool. Como foi difícil não recorrer a eles! Meu corpo gritava por isso, meu sangue pulsava clamando pela bebida. Meu Deus... Meu Deus... Sim, eu só tinha a Deus naquela hora.

Mas não aguentei. Estava fraca, sozinha e vulnerável. Fui ao supermercado e comprei uma garrafa de whisky. Tomei ali na rua mesmo, sentada na calçada. Gole a gole, terminei a garrafa toda de uma só vez. Voltei para casa pior do que nunca. Entrei debaixo do chuveiro e chorei uma eternidade.

Parei de comer. Parei de fazer planos. Parei de querer viver. A vida já não fazia sentido algum. Eu não tinha pra onde ir, não tinha o que fazer. Os meus amigos se foram, nenhum deles apareceu para me estender a mão. Eu teria que começar tudo do zero, fazer novos amigos, escolher uma faculdade para entrar, pensar no futuro. Que futuro? Qualquer futuro sem o amor da minha vida não fazia o menor sentido. Mil coisas vieram à minha mente... Se ele realmente me amasse, ficaria comigo em qualquer situação. O sentimento de fracasso e humilhação me acompanharam por dias e dias.

Eu só ficava deitada em minha cama, chorando sem parar. Quando não chorava copiosamente, permanecia com o olhar distante enquanto as lágrimas escorriam sem qualquer controle. Não comia, não bebia, não falava. Não dormia, a não ser quando a exaustão me dominava. Não estava entendendo nada, absolutamente nada do que me estava acontecendo naquela altura da vida. Logo quando resolvo me levantar e lutar, recebo um golpe tão duro! Minha alma sangrava.

Se lembra da menina que queria emagrecer a qualquer custo? Pois bem, ela conseguiu finalmente ficar magra. Emagreci tanto que minhas roupas caíam de meu corpo. Fiquei irreconhecível. Meus ossos apareciam debaixo de minha pele, coisa que nunca havia acontecido antes (quem sempre foi obeso sabe como é isso). Fui ficando cada vez mais fraca, sentia a vida deixando o meu corpo aos poucos. Eu não queria mais lutar, não queria mais viver. Estava cansada de tudo. Meus pais, preocupados, já não sabiam mais o que fazer. Me lembro de minha mãe sentada ao lado de minha cama, segurando uma de minhas mãos e dizendo "Filha, isso vai passar! Vai passar! Tenha fé."


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