quarta-feira, 25 de março de 2015

O fundo do poço

Até aqui tudo bem - pensava eu.
Bebia todos os dias, tomava anfetaminas todos os dias, "mas pararia a hora em que eu quisesse".

Tinha garrafas de bebidas alcoólicas escondidas em meu guarda-roupa para poder tomar um pouco a cada meia hora, tomava muito mais anfetaminas do que a recomendação diária permitida, tinha mania de perseguição, via vultos o tempo todo, tinha oscilações gigantescas de humor, era extremamente violenta ao mesmo tempo em que era extremamente amável, tremia a cabeça e as mãos a ponto de não conseguir segurar um copo normalmente, quase havia repetido de ano por faltas e notas baixíssimas. "Mas até aqui tudo bem", pensava eu. Afinal, eu continuava me divertindo com meus amigos, frequentando lugares legais, falando de música e arte, levando a vida "numa boa".

Com o passar dos anos comecei a perceber que havia algo errado comigo. Quando quis parar, não consegui. A cada tentativa, uma depressão imensa e repentina tomava conta de meu ser. A tristeza era tão grande que vinha acompanhada de pensamentos suicidas. Não só pensei em suicídio como tentei fazê-lo com todas as minhas forças. Não foram como aquelas tentativas em que se quer chamar a atenção, eu realmente queria morrer. Pensamentos de derrota, uma tristeza profunda, uma suspeita de que todos ao meu redor queriam me ver morta e a sensação de que nada valia a pena tomavam conta de meu coração e minha mente.

Mas uma vez mais preciso registrar aqui a minha crença no Eterno que, miraculosamente, me livrou da morte por três vezes. Numa delas, quando me atirei em frente a um caminhão em alta velocidade, uma força me empurrou para trás segundos antes de eu ser atropelada. O caminhão passou correndo muito, buzinando... me lembro dessa cena muito bem, ainda hoje consigo "ouvir" aquele som. Ninguém me empurrou, ninguém me puxou. Foi como se fosse uma força forte, um báque, um tranco que me jogou pra trás. Algumas pessoas viram e não entenderam o que havia acontecido. Estavam chocadas. Já me perguntaram se isso não foi uma alucinação ou uma situação produzida pelo meu cérebro. Afirmo que não, pois me lembro bem de todo o processo de planejamento do suicídio, a maneira como fiz e as marcas roxas que ganhei quando fui lançada ao chão. Naquele momento minha mente estava mais lúcida do que nunca.


Anfetaminas são drogas que atuam no cérebro, mais precisamente no sistema nervoso central, estimulando a produção de dopamina que, em excesso, inibe o sono e diminui o apetite. O uso acumulado pode provocar alucinações e o efeito é parecido com a cocaína. Quando não toma a droga o usuário fica em estado de depressão e letargia, então sempre quer doses a mais. Irritabilidade, tremor, ansiedade, labilidade do humor, cefaléia, calafrios, sintomas depressivos e exaustão são alguns dos sintomas apresentados com a dependência crônica. A pessoa fica longe da realidade, paranóica e impulsiva - a chamada psicose anfetamínica. Se mantém descuidada com seu compromissos e responsabilidades, tem delírios, alucinações auditivas e visuais, alterações na memória e na capacidade de julgamento, sofrendo também de delírio persecutório, suspeitando que todos estão tramando contra ela. A pele fica muito pálida devido à contrição dos vasos sanguíneos. O uso desregrado por anos pode ocasionar feridas. O uso continuado leva à degeneração de determinadas células do cérebro, produzindo lesões irreversíveis.

Você leu essa descrição? Pois você acabou de ler a minha descrição.

Eu estava chegando aos vinte anos carregando um fardo pesado demais para mim. As festas, os shows de rock e as bebedeiras já não me bastavam, já não eram mais tão divertidos. As noites em claro já não causavam euforia.

Tudo perdeu a graça e eu me vi escrava mais uma vez. Parei de fugir das vozes reais e passei a fugir de mim mesma, das vozes em minha cabeça.

Olhava para os meus pais que não sabiam de nada daquilo e me sentia extremamente culpada. Minhas crenças estavam viradas de cabeça pra baixo, já não sabia mais no que cria, em quem cria. Só sabia que, se realmente existia um inferno, eu já estava dentro dele. Eu havia me tornado uma alcoólatra dependente física, química e psíquica de anfetaminas.


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