quinta-feira, 26 de março de 2015

A desintoxicação

Naquela altura de minha vida nada mais fazia sentido. Até meu namoro perfeito estava abalado. Foi quando começaram a aparecer as feridas em meu corpo.

Fui ao médico e ele imediatamente começou a fazer uma série de perguntas, como se já soubesse as respostas. Fui diagnosticada como dependente de anfetaminas. Após alguns exames veio a certeza: eu realmente estava com a dependência em sua forma crônica, afetando meu corpo e minha mente há anos, com o agravante de também ser uma alcoólatra. Fiquei muito assustada quando o médico me explicou que o tempo em que eu usei anfetaminas + álcool foi como se eu estivesse colocando uma bomba dentro de meu organismo, com efeitos semelhantes ao LSD.

Seria necessário que eu me internasse em uma clínica de reabilitação de drogas por seis meses para fazer a desintoxicação. Quando soube disso entrei em desespero! Meus pais iriam sofrer muito ao saber de minha condição. Para eles, todas as minhas oscilações comportamentais eram resultado de "coisa de adolescente", entrelaçado com o fato de eu "tomar remédios pra emagrecer que têm efeitos colaterais". Eles são bem mais velhos do que eu e vêm de uma realidade completamente diferente deste mundo caótico em que vivi. Até hoje não têm malícia, confiam demais nos filhos. 

Depois de pensar em meus pais, pensei em minha família, em meus velhos amigos e conhecidos. O que eu iria dizer a eles? Como enfrentaria os olhares de repulsa e acusação mais uma vez? Como lidaria com a rejeição?  

Implorei para que o médico me desse outra solução. Jamais iria de espontânea vontade a uma clínica. Foi quando ele me apresentou aos 16 remédios que eu deveria tomar por dia se quisesse fazer uma desintoxicação sozinha. Eu deveria tomá-los durante 3 meses e passar por uma avaliação médica para prosseguir com outros medicamentos. Mas ele fez uma séria advertência:

- Você não poderá mais frequentar os lugares que frequenta. Não poderá mais beber nem um gole de absolutamente nada alcoólico. Terá que se abster não só das anfetaminas e do álcool como também do seu estilo de vida atual. Qualquer coisa que te leve a fazer o que você faz, você deverá abolir de sua vida, senão não conseguirá fazer o tratamento. Por isso a necessidade de você se internar em uma clínica, lá você estará longe de tudo e de todos, podendo focar apenas em seu tratamento, tendo os cuidados e o acompanhamento de enfermeiros. Mas se você quer tentar fazer sozinha, é por sua conta e risco. Eu não me responsabilizo pela sua falha.

O meu fracasso já havia sido decretado. Mas eu tentei com todas as minhas forças tirar aquelas substâncias de meu corpo. Avisei minha família que estava passando por uma fase difícil, que queria muito ficar sozinha em meu quarto o tempo que fosse. Fui à farmácia, comprei todas aquelas caixas de remédios fortíssimos, coloquei-os em compartimentos com informações detalhadas de horas e maneiras a serem tomados. Fiz uma planilha de horários com letras grandes e escondi tudo dentro de uma gaveta de camisetas. Programei um aparelho de som, meus dois rádios-relógios e meu despertador para tocarem os alarmes nas horas certas. Escrevi na planilha: "aparelho de som = 2 remédios azuis / rádio relógio prateado = 1 remédio branco pequeno" e assim por diante.


Um dia acordei decidida a começar a desintoxicação. Walkyria resolveu tomar as rédeas de sua própria vida e deixar de ser escrava das anfetaminas e do álcool. 

Logo no primeiro dia comecei a ter alguns sinais da crise de abstinência. A depressão começou a se apoderar de mim, uma letargia grande, tonturas, calafrios. Nos dias que se seguiram, tudo foi piorando. Eu tinha crises terríveis, sentia o quarto girando, batia com a cabeça no chão pra que as dores parassem, gritava no travesseiro em meio ao desespero, chorava muito. Suava frio, suava muito, tremia horrores. Tudo isso em meu quarto, ao som de Led Zeppelin, Pink Floyd, Guns'N'Roses no volume máximo, para que meus pais não desconfiassem de nada. Me lembro de ouvir minha mãe batendo na porta trancada, gritando "Filha, abaixa esse som, tá muito alto" e eu responder "já vou, mãe". Me lembro de sair do quarto, tomar um banho, ir até a cozinha para comer alguma coisa mas vomitar em seguida. Me lembro de minha mãe me fazendo algumas perguntas e eu dando respostas evasivas enquanto entrava novamente no quarto. Me lembro de tomar água o tempo todo. Não me lembro de conversas com minha família, não me lembro de eu estar em outros cômodos da casa. Não sei ao certo como foram esses dias para a minha família. Não sei o que eles pensavam. Talvez achassem que eu estava rebelde demais, só isso.

Foram 16 dias de desintoxicação e crises de abstinência. Duas semanas que eu acreditava que faziam parte dos 3 primeiros meses de tratamento. Não sei até hoje como consegui fazer tudo aquilo sozinha. Talvez eu não estivesse realmente sozinha. Hoje eu tenho certeza de que, naquele quarto, Deus se fazia presente, cuidando de mim. Eu não conseguiria sem ele. E foi assim, no décimo sexto dia, que Ele veio até mim através de um servo seu, um pastor muito querido. Mas esta parte da história eu irei contar em um outro post.

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